MME lança chamada pública de R$ 100 milhões para prédios públicos eficientes
O Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou nesta segunda-feira (10/06) o lançamento da Chamada Pública de R$100 […]
Saiba mais11/09/2024
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Em um manifesto lançado em maio sobre a tragédia climática no Rio Grande do Sul, o Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS) afirmou que “não é possível que continuem sendo construídos edifícios e infraestruturas urbanas sem considerar que o clima está mudando” e que é preciso “adequar normas técnicas de projeto e desenvolver soluções inovadoras viáveis” para garantir um futuro mais seguro. Mas, afinal, considerando os eventos climáticos extremos que serão cada vez mais frequentes, que tipo de construções são mais indicadas? Quais materiais podem ser opções sustentáveis? Quais são os principais desafios que as mudanças climáticas representam para a construção civil? Para abordar essas e mais questões, conversamos com três professores que atuam em cursos da área de Construção Civil do IFSC:
Normalmente, o projeto de uma construção é feito para ser adequado ao clima do local, assegurando o conforto de quem está no ambiente com o menor consumo de sistemas ativos – como o uso de ar-condicionado e iluminação artificial, por exemplo. A professora Ana Lígia destaca que quando uma edificação é projetada para um determinado clima e ele muda, as alterações no ambiente externo podem tornar o ambiente interno desagradável e, com isso, fazer com que seus ocupantes busquem sistemas ativos para garantir o conforto.
O comportamento térmico e o consumo energético de uma edificação podem ser estimados por simulação computacional, usando arquivos climáticos da região. “Um dos desafios atuais é não só avaliar computacionalmente se um projeto de uma edificação está adequado ao clima atual, mas também avaliar como adequar esta edificação usando um arquivo climático futuro, visto que uma edificação construída agora terá um tempo de uso de mais de 50 anos”, aponta a professora. “Existe então a necessidade de fazer análises de simulações termoenergéticas de edificações usando arquivos climáticos atuais e também resultantes da investigação e hipóteses das mudanças climáticas e, assim, tentar trabalhar com possibilidades construtivas que se adequem a esta variação climática”, complementa.
Desde 2013, o Brasil conta com a NBR 15.575, conhecida como a norma de Desempenho de Edificações Residenciais. “O aspecto interessante desta norma é que ela possibilita a utilização de materiais e sistemas construtivos diversos, desde que garantam os aspectos de habitabilidade, segurança e sustentabilidade da edificação quando em uso pelos seus ocupantes”, observa Ana Lígia.
No Brasil, evitar temperaturas elevadas no ambiente interno para prevenir desconforto por calor e sobreaquecimento é um grande desafio para as habitações, especialmente com o aumento previsto das ondas de calor e do efeito ilha de calor. Eventos climáticos extremos também apresentam riscos adicionais não só do ponto de vista térmico, uma vez que tempestades e enchentes afetam as estruturas e as manutenções das edificações. “Além de garantir o conforto térmico, que é a satisfação com o ambiente interno, há o desafio de evitar o estresse térmico, condições com risco à saúde causadas por exposições extremas ao frio ou calor”, explica o professor Rogério Versage.
Quando se fala de estratégias para o futuro do conforto no ambiente construído, o termo “resiliência térmica” vem sendo muito adotado. Rogério explica que a resiliência térmica é a capacidade de um edifício de manter condições internas seguras e confortáveis considerando as mudanças climáticas e durante eventos climáticos extremos, mesmo em caso de falhas de energia. “Para enfrentar as previsões de clima futuro, o ideal é a escolha dos materiais de construção e estratégias de projeto que garantam a resiliência térmica das edificações”, ressalta o professor.
Um exemplo de estratégia bioclimática que pode ser usada nos projetos arquitetônicos para melhorar o conforto térmico e a eficiência energética das edificações é o posicionamento adequado das construções e seus ambientes em relação ao sol, uma vez que isso ajuda a controlar os ganhos de calor no verão. De acordo com Rogério, beirais, toldos e elementos de sombreamento devem ser previstos para o controle da radiação solar nos ambientes. O posicionamento e dimensionamento de janelas também deve potencializar a ventilação natural para o conforto térmico e garantir a proteção contra ventos fortes.
Além disso, os projetos devem ser flexíveis para permitir adaptações ao longo do tempo, como expansões ou reorganização dos espaços, atendendo às necessidades diversas de famílias e empresas. “Essa flexibilidade é essencial para a adaptação das edificações durante toda sua vida útil”, afirma o professor.
Para garantir o efeito de resiliência térmica, Rogério explica que são indicados materiais de alta inércia térmica (capazes de armazenar e liberar calor de forma controlada), de isolamento térmico (para minimizar as trocas de calor com o ambiente externo) e de baixa absorção térmica, como revestimentos claros e reflexivos. Um exemplo prático de material são os tijolos cerâmicos usados nas paredes e telhados com telhas em cores claras e isolamento térmico como mantas aluminizadas, lã de vidro ou isolantes de fibras naturais. “Devemos ainda considerar a sustentabilidade ambiental com o uso de materiais reciclados e madeira certificada para estruturas e acabamentos”, complementa.
Pensando em materiais mais sustentáveis, o ideal é escolher materiais locais. A professora Ana Lígia afirma ainda que a utilização da madeira auxilia na diminuição da emissão de carbono e as argamassas de cimento apresentam maior energia incorporada do que outros tipos de argamassas. “O primeiro passo ao se projetar uma edificação que seja mais sustentável é conhecer os aspectos referentes ao conforto do ser humano”, destaca.
“Quando falamos de eficiência energética nas edificações não estamos falando de economia de energia, mas sim em garantir o conforto dos ocupantes, mas com o menor consumo de energia”, aponta. Segundo ela, para se fazer uma edificação mais sustentável, além da eficiência energética e do conforto ambiental, é preciso considerar também outros aspectos como a garantia de segurança, a salubridade, o pagamento correto para a mão-de-obra envolvida no processo de construção, economia de água, minimização da produção de resíduos, uso de materiais menos impactantes ao meio ambiente, entre outros.
Uma opção de material que pode ser considerada neste cenário é a taipa de pilão. O sistema construtivo milenar, que consiste na construção de paredes por meio do apiloamento/compactação de camadas de terra crua em formas de madeira, vem sendo estudado e aprimorado por pesquisadores do Câmpus São Carlos do IFSC.
“A terra extraída in loco tem se tornado um excelente material construtivo, quando se pretende aliar conforto termoacústico com inovação para construções mais sustentáveis, saudáveis e acessíveis para seus moradores”, destaca o professor Anderson Renato Vobornik Wolenski, que atua na área de Estruturas e Tecnologias da Construção Civil e participou do grupo de trabalho que elaborou a Norma Técnica 17014/2022 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A norma define os requisitos, procedimentos e controle para edificações que usem a taipa de pilão e a perspectiva é que, com a normatização, a técnica passe a ser mais adotada na construção civil.
O sistema construtivo em taipa de pilão se difere de outras formas de construção com terra, pois utiliza a terra em seu estado compactado para compor paredes estruturais, que eliminam a necessidade de pilares de concreto, aço ou madeira. Dessa forma, o material pode ser utilizado para a construção de edificações residenciais e comerciais de múltiplos pisos. “Na Europa, por exemplo, já existem edifícios de quatro pavimentos com suas paredes executadas em taipa de pilão, em regiões com clima de grande amplitude térmica; nos países nórdicos, têm sido cada vez mais frequente a execução de paredes estruturais, acima de 30 cm de espessura, capazes de suportar períodos de frio e neve intensos, assim como tem se tornado realidade o seu uso para suportar os dias de calor intenso em regiões desérticas e de clima árido”, cita o professor para exemplificar a excelente adaptabilidade no uso do sistema em taipa de pilão.
Se em países desenvolvidos, a taipa de pilão já se tornou realidade e tem sido cada vez mais frequente seu uso em edificações contemporâneas de alto valor agregado, no Brasil, esse movimento tem sido lento. “Ainda persiste uma cultura advinda das antigas construções em terra, especialmente, em pau a pique, que fragilizaram a ideia de que o uso da terra como elemento construtivo alcançou novos patamares de inovação tecnológica a ponto de se tornar um dos materiais do futuro para edificações sustentáveis”, comenta Anderson.
Em conjunto com a taipa de pilão, a terra tem um enorme potencial para transformar a construção civil brasileira em uma indústria capaz de enfrentar as mudanças climáticas. No entanto, o professor do Câmpus São Carlos observa que todos os materiais que compõem esta indústria têm sua função e espaço, porém seu uso deve estar atrelado a um consumo sustentável. “O grande desafio da construção civil do futuro não está na descoberta de um material que revolucione a forma de se edificar, afinal, todos os materiais são mais ou menos poluentes. O que nos leva a pensar que o verdadeiro desafio esteja em como os projetistas e construtores estão pensando seus projetos de forma consciente e sustentável, pautada em uma escolha otimizada por materiais de menor impacto ao meio, que durem no longo prazo e que forneçam às melhores condições para uma edificação auto suficiente”, destaca.
Melhorar a eficiência energética nas casas do futuro é uma medida que traz benefícios duplos: garante conforto térmico para os moradores e reduz as emissões de carbono das edificações. “Para alcançar isso, é essencial utilizar tecnologias de energia renovável, como painéis solares fotovoltaicos e sistemas de aquecimento solar, que aproveitam a energia do sol para gerar eletricidade e aquecer a água, diminuindo a dependência de fontes de energia convencionais”, explica o professor Rogério.
Segundo a professora Ana Lígia, o que se busca atualmente na área da eficiência energética em edificações é projetar edificações e até bairros “zero energia”, em que a geração de energia limpa é maior do que o consumo energético. “Outro conceito que se busca nos projetos é um edifício de emissão zero carbono, onde a produção de energia renovável é igual ou superior ao consumo de energia de fontes não renováveis”, ressalta.
A automação residencial também desempenha um papel importante neste cenário sustentável, permitindo otimizar o uso de energia com sistemas de gestão inteligente que monitoram e controlam o consumo, ajustando a iluminação, o aquecimento e o resfriamento conforme necessário. “O isolamento térmico também é fundamental para reduzir a troca de calor com o ambiente externo, diminuindo assim a necessidade de aquecimento e resfriamento mecânico”, complementa Rogério.
A escolha de equipamentos eficientes, como eletrodomésticos e sistemas de climatização com alta eficiência energética, também é essencial para reduzir o consumo de energia e oferecer melhor desempenho. “Essas estratégias não só tornam as casas mais confortáveis e sustentáveis, mas também ajudam a combater as mudanças climáticas ao reduzir o consumo de energia e as emissões de carbono”, ressalta o professor.
Investir em casas mais confortáveis e sustentáveis traz uma série de benefícios tanto econômicos quanto ambientais. Rogério diz que uma das principais vantagens é a redução dos custos de operação. “Com uma eficiência energética aprimorada, se consome menos eletricidade para manter um ambiente confortável, resultando em contas de energia mais baixas”, afirma. Além disso, segundo o professor, essas casas tendem a se valorizar no mercado imobiliário, pois são cada vez mais procuradas por compradores que valorizam sustentabilidade e conforto.
No aspecto ambiental, esse tipo de construção ajuda a reduzir a emissão de gás carbônico, contribuindo de forma direta para atenuar os efeitos das mudanças climáticas. “As casas sustentáveis tornam-se essenciais pela utilização de energias renováveis em conjunto com a economia de recursos, garantindo uma certa autonomia para enfrentar possíveis extremos climáticos que possam desabastecer as cidades de energia e água. Essa independência de recursos não só promove a sustentabilidade, mas também oferece segurança e resiliência em tempos de crise”, destaca Rogério.
Embora o nosso olhar esteja nas construções do futuro, não podemos nos esquecer do que já existe. “Falar de edificações novas é mais fácil, agora adequar e adaptar as edificações existentes é mais complexo”, afirma a professora Ana Lígia. Segundo ela, na Europa, a norma de desempenho para novas construções já está consolidada e agora já tem até norma de desempenho para edificações antigas. Já no Brasil, há um grande parque edificado. “O fato de se reabilitar uma edificação existente evita o consumo desnecessário de recursos (naturais e energéticos), o que é uma opção em prol de um desenvolvimento mais sustentável”, comenta.
De acordo com a professora, para as edificações existentes, é necessário primeiro avaliar a situação atual e estudar de que forma o sistema construtivo poderia ser complementado para que esta edificação atinja o desempenho pretendido para o micro clima daquele local, ou para um clima mais desfavorável no futuro. “É possível a instalação de isolamento térmico em telhados, a instalação de sombreamentos em janelas com orientação solar desfavorável, aplicar acabamentos e materiais em cores claras ou reflexivas para diminuir a absorção de calor solar, assim como adotar equipamentos mais eficientes e sistemas de geração fotovoltaica e aquecimento solar de água”, acrescenta Rogério.
Além das melhorias físicas, o comportamento das pessoas desempenha um papel crucial na resiliência térmica. “As pessoas devem adotar comportamentos ativos para lidar com temperaturas extremas, como utilizar roupas adequadas para o clima, ajustar seus níveis de atividade física e alimentação para diminuir seu metabolismo e utilizar corretamente as janelas, cortinas, ventiladores e sistemas de condicionamento de ar”, destaca o professor.
Este tipo de construção não precisa necessariamente depender de alta tecnologia e alto investimento. Segundo o professor do Câmpus Florianópolis, o mais importante é que haja o domínio das estratégias de eficiência energética e conforto térmico e consciência para a sustentabilidade. “Soluções adaptativas simples podem ser implementadas em programas de habitação social”, informa.
Um dos principais desafios que a área de construção civil enfrenta diante das mudanças climáticas é a necessidade de capacitação dos profissionais para que estejam atualizados com práticas sustentáveis e tecnologias modernas. O IFSC oferece formação em Engenharia Civil com unidades curriculares de Eficiência Energética em Edificações que formam os estudantes no domínio das estratégias bioclimáticas e competências para elaboração de projetos eficientes e sustentáveis. A instituição também já ofertou o curso de Especialização Técnica em Eficiência Energética em Edificações. Há ainda os cursos de mestrado em Clima e Ambiente e em Sistemas de Energia, que também apresentam linhas de pesquisa relacionadas ao tema.
Por Marcela Lin | Jornalista do IFSC Reportagem publicada IFSC VERIFICA https://www.ifsc.edu.br/web/ifsc-verifica/w/quais-os-desafios-da-construcao-civil-diante-das-mudancas-climaticas- Publicado: 30 de juLho de 2024
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