Novo olhar sobre a umidade nas edificações

Novo olhar sobre a umidade nas edificações

A partir da criação do GT Umidade na ABNT, iniciamos uma caminhada no sentido de instrumentalizar profissionais e empresas da construção civil Brasileira para o desenvolvimento de avalições das condições de riscos e surgimento de fungos filamentosos – mofo em paredes.

22/02/2024

greiciramos

As paredes desempenham um papel crucial na edificação, estão constantemente expostas às ações do clima e estão propensas à degradação a longo prazo. Por isso, é importante entender como o desempenho higrotérmico pode prevenir problemas relacionados à umidade nas edificações [1,2].

Níveis elevados de umidade podem causar patologias nas edificações e afetar a qualidade do ar interior nos ambientes. Um dos problemas relacionados à umidade é o crescimento de fungos filamentosos que são prejudiciais à saúde causando vários problemas como crises alérgicas, incluindo rinite e até crises de asma [3-5].

A presença de umidade nos elementos construtivos pode levar à deterioração dos materiais[6], incluindo corrosão em componentes metálicos em esquadrias e equipamentos de climatização, deterioração química em revestimentos de gesso, telhas e madeira, e mudanças de volume, como o inchaço e a retração que podem resultar em alterações visuais, falhas estruturais ou rachaduras. Além disso, pode causar manchas nos acabamentos da edificação, crescimento de fungos filamentosos, entre outros problemas [6,7].

Outro problema relacionado à umidade é a condensação nas superfícies da edificação. Isso ocorre quando o ar, a uma determinada temperatura, não consegue mais conter vapor de água, resultando na condensação do excesso de umidade absoluta [6,8]. Elementos menos isolados e pontes térmicas, como elementos estruturais, vidros e paredes com baixa resistência térmica, são mais propensos à condensação devido à maior variação de temperatura entre a superfície e o ambiente [6, 9].

De acordo com Henriques[6], é possível reduzir a ocorrência de condensações superficiais com as seguintes condições: melhorar o isolamento térmico do edifício, garantindo que a temperatura da parede não apresente uma diferença significativa em relação à temperatura do ambiente, reduzindo assim o risco de condensação; aumentar a temperatura do ambiente, elevando o limite de saturação acima da umidade absoluta do ar; e aprimorar a ventilação, permitindo que o excesso de umidade dentro da edificação seja removido para o exterior através da renovação do ar por meio de janelas ou dispositivos mecânicos [6].

Portanto, as paredes desempenham um papel fundamental nas edificações, pois estão sujeitas constantemente às ações do clima e aos problemas relacionados a umidade, como patologias, deterioração dos materiais e o crescimento de fungos filamentosos.

Por que temos problemas com umidade nas edificações?

Os materiais de construção utilizados no Brasil, como tijolos, argamassas, telhas, concreto e madeira, são porosos e possuem ar e água em diferentes fases em seu interior [11]. Esses materiais são higroscópicos, o que significa que possuem poros em sua estrutura capazes de absorver umidade do ar, resultando em variações no teor de umidade do material [12,13]. Vale ressaltar que o transporte de umidade para o interior da edificação ocorre de uma forma diferente entre sistemas construtivos leves e pesados [14].

Dessa forma, encontrar a origem da umidade em edificações pode ser desafiador, pois é influenciada por diversos fenômenos e envolve uma grande quantidade de mecanismos de transporte. Esses fenômenos podem ocorrer, frequentemente, em conjunto, em que alguns podem ser resultados de outros [6,14]. A umidade se manifesta de diversas maneiras, incluindo umidade de construção, umidade ascensional proveniente do solo, umidade de precipitação, umidade de condensação, umidade devido às propriedades higroscópicas dos materiais e umidade gerada por atividades humanas [6,14].

A umidade inicial da construção ocorre devido a quantidade de água presente nos materiais e é influenciada pelo clima externo, resultante das chuvas e da umidade relativa do ar durante o processo construtivo. A presença de umidade também pode ser ocasionada pela ação das chuvas, especialmente em condições de ventos intensos, atingindo as paredes que ficam sujeitas a umidade. Isso representa um risco, pois pode reduzir a resistência térmica dos materiais e aumentar a condutibilidade térmica, favorecendo a ocorrência de condensações [6].

A realidade do país é que os problemas relacionados a umidade nas edificações são encarados como algo inevitável, como as condensações e o crescimento de fungos filamentosos [15]. Diante disso, foi criado o grupo de pesquisa sobre umidade em edificações, o GT Umidade, da Comissão de Eficiência Energética e Desempenho Térmico nas Edificações (CE-002:135.007) da ABNT.

Avaliação dos problemas de umidade e o rascunho inicial do projeto de norma ABNT

No Brasil, a discussão sobre o desempenho térmico de edificações ganha destaque, especialmente com a homologação de algumas normas brasileiras. No entanto, o desempenho higrotérmico recebe menos atenção nas normas e diretrizes nacionais, levando à necessidade de buscar referências em normas internacionais consolidadas e amplamente reconhecidas nesse contexto [10,12].

No contexto brasileiro, a norma NBR 15575 [16] estabelece requisitos referentes à umidade, abordando ensaios de estanqueidade à água em coberturas e paredes, testes de absorção de água por paredes em áreas molháveis e pisos com lâmina d’água. Além disso, oferece recomendações para precauções em projetos visando evitar infiltrações. Contudo, a norma se concentra principalmente em aspectos relacionados à água líquida, não abordando processos como transporte e difusão de vapor d’água em elementos construtivos, aspectos essenciais para avaliar a durabilidade [17].

Diante disso, atualmente está sendo desenvolvido o rascunho inicial do projeto de norma ABNT intitulado “Simulação Computacional do Comportamento Higrotérmico de Paredes – Procedimento” no grupo de pesquisa GT Umidade da Comissão de Eficiência Energética da ABNT. Este projeto de norma tem como foco principal abordar o transporte de calor e umidade em elementos construtivos, levando em consideração as condições externas e internas das edificações, por meio de simulações computacionais. O propósito central é obter condições que assegurem habitabilidade e durabilidade adequadas nas edificações.

O objetivo do projeto de norma é estabelecer um padrão para o procedimento de simulação computacional do desempenho higrotérmico, facilitando a comparação de resultados de simulações realizadas nacionalmente. Vale ressaltar que o projeto não define parâmetros mínimos de desempenho higrotérmico vinculados aos resultados das simulações, devido à necessidade de uma variedade considerável de resultados em diferentes condições climáticas e de uso de edifícios. Até o momento, esses aspectos não foram totalmente explorados no contexto brasileiro. O grupo de pesquisa realiza diversos estudos com o objetivo de validar o método de simulação computacional proposto no rascunho inicial do projeto de norma.

 

Sobre os autores

O texto foi elaborado pelo Dr. Eduardo Grala da Cunha e pela M.Sc. Luiza Coutinho Bernardes. Eduardo é professor pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – PROGRAU/FAURB/UFPel, e coordenador do GT Umidade da Comissão de Eficiência Energética em Edificações da ABNT. Luiza é doutorando na PUC PR.

 

 


Referências bibliográficas

  1. KÜNZEL, H. M.; HOLM, A. H. Moisture control and problem analysis of heritage constructions. Encontro sobre Patologia e Reabilitação de Edifícios, p. 85–102, 2009.
  2. LARA, R. R. Á. Hygro–thermo–mechanical analysis of masonry: Experimental characterization and numerical simulations. Tese (Doutorado em Engenharia Civil). Escola de Engenharia da Universidade do Minho. Braga, Portugal, 2023.
  3. BERGER, J.; GUERNOUTI, S.; WOLOSZYN, M.; BUHE, C. Factors governing the development of moisture disorders for integration into building performance simulation. Journal of Building Engineering, v. 3, p. 1–15, 2015.
  4. GUERRA, F. L.; CUNHA, E. G.; SILVA, A. C. S. B.; KNOP, S. Análise das condições favoráveis à formação de bolor em edificação histórica de Pelotas, RS, Brasil. Ambiente Construído, v. 12, n. 4, p. 7–23, 2012.
  5. SEDLBAUER, K. Prediction of mould fungus formation on the surface of and inside building components. Tese (Doutorado em física das construções) Fraunhofer Institute for Building Physics – Universität Stuttgart. Stuttgart, Germany 2001.
  6. HENRIQUES, F. Humidade em paredes. Lisboa, Portugal: Laboratório Nacional de Engenharia Civil – LNEC, 1994.
  7. STRAUBE, J. F. Moisture in buildings. ASHRAE Journal, v. 44, n. 1, p. 15–19, 2002.
  8. RIBEIRO, P. J. T. Análise comparativa de diferentes modelos de simulação numérica na avaliação da ocorrência de condensações internas. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil). Faculdade de Ciências e Tecnologia – Universidade Nova de Lisboa, 2013.
  9. HOLM, A.; KUENZEL, H. M.; SEDLBAUER, K. The hygrothermal behaviour of rooms: combining thermal building simulation and hygrothermal envelope calculation. Eighth International IBPSA Conference, n. February, p. 499–506, 2003.
  10. PIRES, J. R. Estimativa da condensação em edificações unifamiliares em território brasileiro: Simulação higrotérmica computacional. Tese (Doutorado em Engenharia Civil). Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, 2020.
  11. MENDES, N. Modelos para Previsão da Transferência de Calor e de Umidade em Elementos Porosos de Edificações. Tese (Doutorado em Engenharia Mecânica). Programa de Pós-Graduação em Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 1997.
  12. AFONSO, T. M. Desempenho higrotérmico de edificações e procedimentos para previsão de ocorrência de bolores em ambientes internos: estudo de caso em habitações construídas com paredes de concreto. Dissertação (Mestrado em Habitação: Planejamento e Tecnologia). Departamento de Tecnologia em Construção de Edifícios do Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT. São Paulo, 2018.
  13. ZANONI, V. Influência dos agentes climáticos de degradação no comportamento higrotérmico de fachadas em Brasília. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. Brasília, 2015.
  14. KARAGIOZIS, A.; SALONVAARA, M. Hygrothermal system-performance of a whole building. Building and Environment, v. 36, n. 6, p. 779–787, 2001.
  15. MORISHITA, C. BERGER, J. CARNEIRO, A. MENDES, N. Issues about moisture in residential buildings of Brazil. CIB World Building Congress, 2016.
  16. ABNT – Associação Brasileira De Normas Técnicas. NBR 15575: Edificações habitacionais – Desempenho. Rio de Janeiro, 2021.
  17. BRITO, A. C.; BELIZARIO-SILVA, F. Análise da sensibilidade do comportamento higrotérmico de uma parede a diferentes características higrotérmicas de concreto. ENTAC, XIX Encontro Nacional De Tecnologia Do Ambiente Construído, v. 19, n. Novembro, p. 1–14, 2022.
  18. ABNT – Associação Brasileira De Normas Técnicas. Rascunho do Projeto de Norma ABNT – Simulação computacional do comportamento higrotérmico de paredes – Procedimento. Rio de Janeiro, 2023.
Escrito por Dr. Eduardo Grala da Cunha e M.Sc. Luiza Coutinho Bernardes. 
Publicado em 22 de fevereiro de 2024

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